em vez de cortar os pulsos cortei a linha do telefone
Não posso dizer que tenha aprendido grande coisa
nos últimos, digamos, duzentos anos.
Há muitas perguntas que vão perdendo altura
à medida que as penas tombam e também
as garras já não prendem como soíam.
Depois de ter visto de que palha são enchidos
os príncipes felizes, já não saio de casa
sem levar comigo uma carteira de fósforos.
Agora tenho mais tempo morto, só de cinco
em cinco anos compro uma pilha nova
para o relógio. Em vez de cortar os pulsos
cortei a linha do telefone. Já não acordo de noite
para lhe perguntar por que não tocas.
E o que mais me custa, no fim de contas,
é dar razão a Confúcio quando afirma:
quanto mais te ergues para Deus mais ele
de ti se afasta, deixando-te sozinho
a arrumar a casa. Mas estes chineses,
na filosofia moral como no ténis de mesa,
acabam sempre por levar a taça,
e por esta altura da minha queda já concedo
que seja o silêncio a condição natural
para uma ave sem nome que Setembro chamou
e que há duzentos anos não aprende nada.
José Miguel Silva
nos últimos, digamos, duzentos anos.
Há muitas perguntas que vão perdendo altura
à medida que as penas tombam e também
as garras já não prendem como soíam.
Depois de ter visto de que palha são enchidos
os príncipes felizes, já não saio de casa
sem levar comigo uma carteira de fósforos.
Agora tenho mais tempo morto, só de cinco
em cinco anos compro uma pilha nova
para o relógio. Em vez de cortar os pulsos
cortei a linha do telefone. Já não acordo de noite
para lhe perguntar por que não tocas.
E o que mais me custa, no fim de contas,
é dar razão a Confúcio quando afirma:
quanto mais te ergues para Deus mais ele
de ti se afasta, deixando-te sozinho
a arrumar a casa. Mas estes chineses,
na filosofia moral como no ténis de mesa,
acabam sempre por levar a taça,
e por esta altura da minha queda já concedo
que seja o silêncio a condição natural
para uma ave sem nome que Setembro chamou
e que há duzentos anos não aprende nada.
José Miguel Silva
posted by maria
a vida égale, idêntica, the same
Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.
Reinaldo Ferreira
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.
Reinaldo Ferreira
posted by maria
In the staring town
We go out together into the staring town
And buy cheese and bread and little jugs with
flowered labels
Everywhere is a tent where we put on our whirling
show
A great deal has been said of the handless serpents
Which war has set loose in the gay milk of our
heads
But because you braid your hair and taste like
honey of heaven
We go together into town to buy wine and
yellow candles.
Kenneth Patchen
And buy cheese and bread and little jugs with
flowered labels
Everywhere is a tent where we put on our whirling
show
A great deal has been said of the handless serpents
Which war has set loose in the gay milk of our
heads
But because you braid your hair and taste like
honey of heaven
We go together into town to buy wine and
yellow candles.
Kenneth Patchen
posted by maria
o vulcão, o dorso branco
Era esta a fala da mulher,
(E se eu enlouquecesse) e entrasse num
mar branco, descendo pelas colinas ao teu
encontro, com os vestidos desfeitos pela
chuva, por entre as pedras grandes. E tu,
no teu silêncio, a olhar para as espigas
que rompem dos canaviais ao lado das
jovens flores do Inverno. O teu rosto gravado
no carvão e tu à espera, sentado, sabendo
que é dali que nascem os deuses dourados
e os anjos que combatem o sol.
Jaime Rocha
(E se eu enlouquecesse) e entrasse num
mar branco, descendo pelas colinas ao teu
encontro, com os vestidos desfeitos pela
chuva, por entre as pedras grandes. E tu,
no teu silêncio, a olhar para as espigas
que rompem dos canaviais ao lado das
jovens flores do Inverno. O teu rosto gravado
no carvão e tu à espera, sentado, sabendo
que é dali que nascem os deuses dourados
e os anjos que combatem o sol.
Jaime Rocha
posted by maria
EIGHTEEN HALF TRUTHS
1. Orange is the absence of all color.
2. A person cannot taste food unless it is mixed with blood.
3. George Washington’s wooden eyes are on permanent display at the Smithsonian.
4. There’s a tiny, almost invisible thread embedded in all U.S. Currency, and it is made from bumble bees.
5. The sentence “The quick brown fox jumps over the lazy dog” uses every single fox cliche once.
6. If you feed a dog chocolate, it will not be able to sneeze with its eyes open.
7. The cheetah is faster than any other animal on land at making excuses.
8. Due to wartime rationing and a scarcity of all metals, the Oscars given out during World War II were manufactured from cattle bones.
9. Humans and dolphins are the only species that have sex for money.
10. A shark can detect one part of gin in 100 million parts of tonic.
11. Both Hitler and Napoleon were each missing one goat.
12. A rhinoceros horn is made of hate, accumulated and gradually hardened over the years.
13. Some almonds contain cashews.
14. An elephant can smell a broken heart up to three miles away.
15. The average human requires more calories to smile while eating a piece of celery than to frown and vomit it back up.
16. An ostrich’s eye is larger than its capacity to love.
17. Leonardo da Vinci could simultaneously write backwards and upside-down with one hand and kill a man with the other.
18. Starfish harbor no regrets.
Cristopher Painter
2. A person cannot taste food unless it is mixed with blood.
3. George Washington’s wooden eyes are on permanent display at the Smithsonian.
4. There’s a tiny, almost invisible thread embedded in all U.S. Currency, and it is made from bumble bees.
5. The sentence “The quick brown fox jumps over the lazy dog” uses every single fox cliche once.
6. If you feed a dog chocolate, it will not be able to sneeze with its eyes open.
7. The cheetah is faster than any other animal on land at making excuses.
8. Due to wartime rationing and a scarcity of all metals, the Oscars given out during World War II were manufactured from cattle bones.
9. Humans and dolphins are the only species that have sex for money.
10. A shark can detect one part of gin in 100 million parts of tonic.
11. Both Hitler and Napoleon were each missing one goat.
12. A rhinoceros horn is made of hate, accumulated and gradually hardened over the years.
13. Some almonds contain cashews.
14. An elephant can smell a broken heart up to three miles away.
15. The average human requires more calories to smile while eating a piece of celery than to frown and vomit it back up.
16. An ostrich’s eye is larger than its capacity to love.
17. Leonardo da Vinci could simultaneously write backwards and upside-down with one hand and kill a man with the other.
18. Starfish harbor no regrets.
Cristopher Painter
posted by maria
sobre a nossa morte bem muito obrigado
Regressar a casa sozinho e noite dentro
quando o silêncio das árvores da rua se acentua
e os poemas que nunca hás-de fazer te atingem
com o fragor de telhas caídas de um telhado
mesmo em cima da tua cabeça – tanta fragilidade
E por fim entrar em casa, ordeiramente
A essa hora todo e qualquer remorso
é coisa de somenos, importante sim
para dormir, para brincar, só a morte
Ursinho de peluche no travesseiro
da cama – a tua morte
Rui Caeiro
quando o silêncio das árvores da rua se acentua
e os poemas que nunca hás-de fazer te atingem
com o fragor de telhas caídas de um telhado
mesmo em cima da tua cabeça – tanta fragilidade
E por fim entrar em casa, ordeiramente
A essa hora todo e qualquer remorso
é coisa de somenos, importante sim
para dormir, para brincar, só a morte
Ursinho de peluche no travesseiro
da cama – a tua morte
Rui Caeiro
posted by maria
politics
Sometimes, the skin comes off in sex.
The people merge, skinless. The body loses
its boundaries. We are each in these
separate bodies; and then, with someone and
not with someone elSe, the skin dissolves
altogether; and what touches is unspeakably,
grotesquely visceral, not inside language or
conceptualization, not inside time; raw,
blood and fat and muscle and bone, unmediated
by form or formal limits. There is no
physical distance, no self-consciousness,
nothing withdrawn or private or alienated, no
existence outside physical touch. The skin
collapses as a boundary.
The people merge, skinless. The body loses
its boundaries. We are each in these
separate bodies; and then, with someone and
not with someone elSe, the skin dissolves
altogether; and what touches is unspeakably,
grotesquely visceral, not inside language or
conceptualization, not inside time; raw,
blood and fat and muscle and bone, unmediated
by form or formal limits. There is no
physical distance, no self-consciousness,
nothing withdrawn or private or alienated, no
existence outside physical touch. The skin
collapses as a boundary.
Kathy Acker, Empire of the Senseless
posted by maria
silent spring*
Não o DDT ou as alterações climáticas.
Seriam, se as soubesse,
alterações da alma, no século dezasseis,
alterações do humor,
no século dezoito, alterações algures no coração,
se escrevesse no dezanove,
alterações do corpo, num século vinte
que só acreditava no que via,
ou alterações somente, neste tempo de quem confunde
o possível com o necessário, o obstáculo com a imposição.
Bastava-lhe
o ter havido corpo, que inibia o corpo,
o ter havido morte, que promete morte. Ou outra alteração
um tudo-nada apenas mais pequena.
Madalena de Castro Campos
* Massive Attack
Seriam, se as soubesse,
alterações da alma, no século dezasseis,
alterações do humor,
no século dezoito, alterações algures no coração,
se escrevesse no dezanove,
alterações do corpo, num século vinte
que só acreditava no que via,
ou alterações somente, neste tempo de quem confunde
o possível com o necessário, o obstáculo com a imposição.
Bastava-lhe
o ter havido corpo, que inibia o corpo,
o ter havido morte, que promete morte. Ou outra alteração
um tudo-nada apenas mais pequena.
Madalena de Castro Campos
* Massive Attack
posted by maria
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